terça-feira, 31 de julho de 2012

uma (ou várias) velas que estão se apagando


Eu nunca tinha sentido a morte tão próxima assim. Eu conseguia vê-la rondando seu seu corpo que respirava com extrema dificuldade.Cada vez que o ar entrava em seus pulmões cansados, parecia que seria sua última vez. Eu reparava em seu peito, para ter certeza que ele estava vivo, enquanto a próxima respiração agoniante e fraca não vinha. Seus olhos verdes estavam naquele meio termo terrível, meio abertos, meio fechados - como eu só tinha descoberto a existência pelos filmes. Mesmo assim, ele não enxergava nada. Os olhos não conseguiam nem mais piscar, estavam imóveis num triste infinito. Peguei em sua mão e era como se eu estivesse encostando em um boneco. Seus movimentos dependiam dos meus. Se eu soltasse sua mão, ela cairia. Sua cabeça estava caída pro lado, sem força alguma para se manter ereta. Então era aquilo. Aquilo que eu havia temido desde sempre, aquilo que tirava pessoas que eu amava de perto de mim, que as levava para aquela tenebrosa caixa de madeira e que um dia me levaria também. Aquilo era a única certeza que tinham me alertado desde pequena, que eu pensava que conseguiria talvez um dia burlar de alguma forma ou outra. Eu queria pegar na mão dele e tirá-lo dali, de perto dela, daquilo, pois sabia que ela estava flanando em volta dele, pronta para sugar sua alma e seu sangue. Eu nunca havia visto o sofrimento tão de perto. Os instantes finais eram piores que qualquer imaginação macabra. Enquanto as outras pessoas que estavam no quarto conversavam sobre banalidades ridículas ele lutava pra conseguir mais um suspiro. Chegaram ao ponto de falar que ele estavam no estágio final mesmo ele ainda estando ali, mesmo ele ouvindo, por mais imóvel que estivesse sua expressão. Eu gritei calem-se vocês não percebem que ele só precisa de tranquilidade, percebam que um dia vocês estarão no lugar dele e ajam com mais humanidade mas ninguém me ouviu. Eu tinha trocado no máximo umas 40 palavras com ele durante toda a vida. Mas não era justo. Não era certo um homem chegar naquele ponto, em que os médicos desistem e a família perde a capacidade de colocar-se no lugar do outro, que dor vira aceitação e que os anjos parecessem ignorar o sofrimento. A dor dura, a dor persiste, a dor consome. A dor é a única coisa que seu corpo consegue expressar e seu peito pode sentir. Que os malditos médicos colocassem um remédio para dopá-lo para que não ficasse daquele jeito, como um animal atropelado esperando para que a morte decida a hora de o levar. O final é igual pra todos, estamos todos adiando, virando a ampulheta ao contrário como se houvesse uma esperança, mas não há. Sou pessimista porque a vida é pessimista, mas mesmo assim, não entendo porque ela, aquilo, não o levou logo de uma vez, porque está fazendo ele ter dor angústia e falta de fé, sentir a vida sendo devorada a cada respiração,ouvir tanta merda das pessoas que mais deveriam confortá-lo, esperar em vão a compaixão dos céus. A dor dele massacra meu peito, me dá vontade de chorar, de gritar, de implorar, que Deus por favor, se você se existir, me dê, nos dê, uma esperança de qualquer coisa depois daqui, porque não dá pra viver só com essa certeza de treva, escuridão, sufoco, desespero. Quis passar pra ele uma coisa boa que nem sabia se tinha, pedi aos que já foram ajuda e conforto, encontrei orações de onde nunca fui capaz de procurar, tudo para tentar amenizar essa falta de paz em seu corpo e espírito, que pareciam agonizar juntos. De um jeito ou de outro os que amamos serão ele e nós seremos ele e essa terrível identificação é inevitável. A dor dele dói em mim porque sou ele, somos ele e não há nada a fazer senão esperar pelo alívio final que de alívio não tem nada.