sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sacada

Só escuto o guardinha dando seus apitos rotineiros. No mais, a cidade está silenciosa. Resolvi escrever em um lugar diferente, fora do meu quarto, azul de tanta fumaça de cigarro. Estou sentada na rede, na sacada do quarto dos meus pais. Não sei por que insisto em chamar de quarto-dos-meus-pais, já que minha mãe não mora mais aqui. Uma neblina roxa acinzentada domina todo meu campo de visão para as construções mais distantes. Vejo prédios de vários tamanhos e formas, mas meio ofuscados devido á neblina. Uma chuva fina, quase imperceptível, cai do céu. Só consigo enxergá-la devido a luz amarelada do poste aqui da frente. A chuva não faz barulho nenhum. Só ouço algumas gotas maiores caindo do telhado e das árvores. Reparando um pouco mais na árvore aqui do jardim, percebo o quanto ela cresceu. Quando me mudei ela era menor que eu. Hoje, ela é mais alta que minha casa. Meu pai tava querendo cortá-la dia desses. Eu insisti para que ele não o fizesse. Não acho que ele me deu ouvidos, simplesmente deve ter esquecido. Me lembro de alguns natais em que a árvore foi enfeitada com luzinhas coloridas. Achava tão bonito. Depois de um tempo, desistiram de enfeitar a árvore. Esse ‘desistiram’, apesar de ser em terceira pessoa, me inclui. Vejo algumas luzes acesas e me pergunto se alguém está escrevendo assim como eu. Me pergunto se eles estão observando o mundo com tanto cuidado, assim como estou. Me pergunto se eles estão vivendo, sentindo cada batida que o coração dá. Ou se estão só dormindo e esperando o amanhã que não existe. Olho a rua daqui da frente, está tão limpa. Isso costumava ser um ponto positivo para argumentar sobre minha cidade. Hoje, isso não me agrada. Trocaria as ruas perfeitas daqui pelas sujas de São Paulo. Ela tinha razão quando me disse que eu sou a cara de São Paulo. Prefiro sujeira exposta de que limpeza disfarçada. Prefiro as pichações, que revelam o inconformismo das pessoas do que muros claros e bem pintados. Prefiro bares abertos por toda madrugada e os semáforos mudando, vermelho verde amarelo vermelho da Avenida Paulista mostrando que o mundo não para. Estou morrendo de frio, sentido o vento bater no meu rosto e o nariz ficar gelado e não tenho o relógio do Itaú no meio da Paulista pra me dizer a temperatura. A fumaça do meu cigarro confunde-se com o ar quente da minha respiração. Gostaria de ficar aqui por mais meia dúzia de horas, mas já não sinto meus pés. Em São Paulo não estaria tão frio, pois teria ela pra esquentar meu corpo e minha alma.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Poema de amor

Amor,
como você me faz
viva.
Nunca me deixa afogar
nessa solidão.
Meu pão,
é sua palavra.
Contigo,
encontro
a mais bela poesia
nas ruas.
Na tua voz,
sinto o real.
Me encontro
nas batidas do teu coração.
Respiro
a fumaça que você me solta.
Me hidrato
com o álcool do teu sangue.
Tua sujeira
limpa minha alma.
As pílulas
são inúteis
perto do teu sorriso.
Filtro
a tristeza
com tua
presença.
Meu caminho
tão escuro
encontrou uma luz
que não arde os olhos.