sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Epifanias que não tive

Passava da meia-noite e eu virava de um lado pra outro da cama e tentava ajeitar o travesseiro. A insônia me incomodava e junto com ela vinha uma ansiedade perturbadora. Desci as escadas, peguei a chave do carro e caminhei com pressa até a porta. Precisava acalmar minha mente e sair aquele quarto sufocante. Enquanto destrancava a porta, ouvi minha mãe me chamando e correndo nos degraus. Ela estava com sua camisola bastante amassada.
- Onde você está indo essa hora?
- Comprar cigarros, não consigo dormir.
- É mentira. Você está indo fumar ‘unzinho’, disse e esperou minha reação.
Ri e falei com convicção.
- Não gosto de maconha.
Não menti. Realmente não sinto prazer algum ao fumar maconha. Maconha não me faria relaxar para conseguir ter uma noite agradável e um sono despreocupado. Obviamente, para ter essa opinião tive que experimentar. E na maioria das vezes, só tive vontade de voltar à normalidade. Fui consumida por sensações horríveis, como o medo,o desespero, a paranóia. A famosa ‘bad trip’ que acontece raramente com as outras pessoas é rotineira pra mim quando se trata de maconha.
A droga mais popular do planeta não me atrai. Isso ás vezes me dá uma raiva. Além de ser barata e de certo modo socialmente aceita, ela parece ser irresistível para várias pessoas com quem convivo. Tenho uma amiga, que também escreve. Ela me contou que consegue escrever páginas brilhantes e ter epifanias depois de alguns tragos. A inveja me invade quando penso nisso. Surtos criativos seriam acessíveis sempre que eu puxasse aquele gosto doce para dentro de meus pulmões.
Lembro-me de outra situação que minha mãe desconfiou que eu tinha contato com maconha. Um dia ela foi procurar sei lá o que em minha gaveta. No meio de livros e papéis amassados, ela encontrou cigarrilhas tipo bali-hai soltos. Para quem não sabe eles são uma espécie de papel marrom enrolado. Minha mãe é daquele tipo clássico, não tem idéia do formato de um baseado, nem da cor, nem do cheiro.
Ela arregalou seus olhos e segurou o cigarro entre os dedos, apontando-o para meu rosto.
- O que é isso?
- Ué, cigarrilhas.
- Isso aqui é maconha, não tente me enganar.
- Mãe, pelo amor de Deus.
Revirei minha bolsa e achei uma caixa com outras cigarrilhas dentro e mostrei a embalagem pra ela. Não sei se a convenci mais pela embalagem ou pela minha cara de indignação.
Apesar de considerar minha mãe inteligente, percebo que ela não conhece partes importantes do mundo em que vive. E nem quer conhecer. Parece às vezes até que ela se orgulha da sua ignorância em certos âmbitos. Um moralismo ridículo permeia seus pontos de vista e suas tomadas de decisão. Sobra inocência, falta malandragem.
E já que não tem jeito de convencê-la de que infelizmente eu não gosto de maconha, estou preparando uma resposta para próxima vez que ela vier com essas desconfianças infundadas e estranhas.
- Isso aqui não é maconha, mãe. É crack.