terça-feira, 29 de outubro de 2013

demais

A gastrite enfia suas garras
tenho bebido demais
e eu peço uma trégua
tenho tido insônias demais
já cansei de trocar as pilhas do relógio
tenho chorado demais
e as horas continuam as mesmas
tenho tomado remédios demais
há um alarme disparado em meu cérebro
tenho reclamado demais
e sua bateria é interminável
tenho me desesperado demais
todo meu passado está catalogado
tenho pensado demais
e encontro tudo que tento perder
tenho me lembrado demais
coleciono tantas frases engasgadas
tenho fumado demais
que me falta fôlego para tragar a vida.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O feto sobrevivente é um perdedor


Vazia
como a garrafa de vinho ao lado.
Desaparecendo
como o sol na janela.
Já não existe sentido
razão
justificativa
para encher meus pulmões sombrios.
Acrescentando incapacidades
Somando misérias
Escondendo humilhações
Disfarçando frustrações
Procurando conforto nos remédios
e nas drogas
Encontrando ainda mais neurose
escárnio
condenação
deterioração.
Vaias internas
externas
místicas.
Aleijada dos pensamentos
manca das virtudes
deficiente de caráter.
Doença de personalidade
e personalidade doente.
Alma morta
assombrando os vivos.
Descartável e prejudicial
como uma lâmina enferrujada.
Assassinando companhias
Propagando a dor
Torturando mentes
Obstruindo esperanças
Lambendo o esgoto
Mastigando os dias
depois cuspindo fora.
E na garganta áspera e inflamada
permanece
o gosto amargo
do fracasso
e ácido
da existência.

terça-feira, 31 de julho de 2012

uma (ou várias) velas que estão se apagando


Eu nunca tinha sentido a morte tão próxima assim. Eu conseguia vê-la rondando seu seu corpo que respirava com extrema dificuldade.Cada vez que o ar entrava em seus pulmões cansados, parecia que seria sua última vez. Eu reparava em seu peito, para ter certeza que ele estava vivo, enquanto a próxima respiração agoniante e fraca não vinha. Seus olhos verdes estavam naquele meio termo terrível, meio abertos, meio fechados - como eu só tinha descoberto a existência pelos filmes. Mesmo assim, ele não enxergava nada. Os olhos não conseguiam nem mais piscar, estavam imóveis num triste infinito. Peguei em sua mão e era como se eu estivesse encostando em um boneco. Seus movimentos dependiam dos meus. Se eu soltasse sua mão, ela cairia. Sua cabeça estava caída pro lado, sem força alguma para se manter ereta. Então era aquilo. Aquilo que eu havia temido desde sempre, aquilo que tirava pessoas que eu amava de perto de mim, que as levava para aquela tenebrosa caixa de madeira e que um dia me levaria também. Aquilo era a única certeza que tinham me alertado desde pequena, que eu pensava que conseguiria talvez um dia burlar de alguma forma ou outra. Eu queria pegar na mão dele e tirá-lo dali, de perto dela, daquilo, pois sabia que ela estava flanando em volta dele, pronta para sugar sua alma e seu sangue. Eu nunca havia visto o sofrimento tão de perto. Os instantes finais eram piores que qualquer imaginação macabra. Enquanto as outras pessoas que estavam no quarto conversavam sobre banalidades ridículas ele lutava pra conseguir mais um suspiro. Chegaram ao ponto de falar que ele estavam no estágio final mesmo ele ainda estando ali, mesmo ele ouvindo, por mais imóvel que estivesse sua expressão. Eu gritei calem-se vocês não percebem que ele só precisa de tranquilidade, percebam que um dia vocês estarão no lugar dele e ajam com mais humanidade mas ninguém me ouviu. Eu tinha trocado no máximo umas 40 palavras com ele durante toda a vida. Mas não era justo. Não era certo um homem chegar naquele ponto, em que os médicos desistem e a família perde a capacidade de colocar-se no lugar do outro, que dor vira aceitação e que os anjos parecessem ignorar o sofrimento. A dor dura, a dor persiste, a dor consome. A dor é a única coisa que seu corpo consegue expressar e seu peito pode sentir. Que os malditos médicos colocassem um remédio para dopá-lo para que não ficasse daquele jeito, como um animal atropelado esperando para que a morte decida a hora de o levar. O final é igual pra todos, estamos todos adiando, virando a ampulheta ao contrário como se houvesse uma esperança, mas não há. Sou pessimista porque a vida é pessimista, mas mesmo assim, não entendo porque ela, aquilo, não o levou logo de uma vez, porque está fazendo ele ter dor angústia e falta de fé, sentir a vida sendo devorada a cada respiração,ouvir tanta merda das pessoas que mais deveriam confortá-lo, esperar em vão a compaixão dos céus. A dor dele massacra meu peito, me dá vontade de chorar, de gritar, de implorar, que Deus por favor, se você se existir, me dê, nos dê, uma esperança de qualquer coisa depois daqui, porque não dá pra viver só com essa certeza de treva, escuridão, sufoco, desespero. Quis passar pra ele uma coisa boa que nem sabia se tinha, pedi aos que já foram ajuda e conforto, encontrei orações de onde nunca fui capaz de procurar, tudo para tentar amenizar essa falta de paz em seu corpo e espírito, que pareciam agonizar juntos. De um jeito ou de outro os que amamos serão ele e nós seremos ele e essa terrível identificação é inevitável. A dor dele dói em mim porque sou ele, somos ele e não há nada a fazer senão esperar pelo alívio final que de alívio não tem nada.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

At Eternity's Gate

O soco invisível

atinge novamente meu estômago.

Engulho seco

e fecho os olhos.

Imploro aos céus

que seja mais uma tristeza passageira.

Mas eu sinto em meus ossos

sua singularidade característica.

Sei cada mínimo sintoma

que invade minha mente

e perturba meu corpo.

Ela me prende na cama

por dias a fio.

Faz o choro vir

com intensidade e insanidade.

Vira minha sombra

e persegue todos os meus passos.

Constrói teias e nós

em meus pensamentos.

Fico inquietamente

quieta.

Não me satisfaço

com meu prazer mais almejado.

Depois de me tornar apática

como um cadáver,

ela me oferece a morte

como último e único consolo.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O coração lateja mais

Tive um corte grave no corpo
pela primeira vez.
Sujei as paredes
e os azulejos
de sangue.
Tentei amarrar
o pé ferido
com uma toalha azul,
mas logo o sangue
a transformou em roxa.
Meu pai me levou ao hospital.
Levei pontos.
O corte foi profundo,
o médico disse.
Meu pai não tem
a mínima ideia
que me causou cortes
muito mais profundos
que esse.
É irônico
justamente ele
ter me levado ao hospital.
Ao invés do médico,
ele que deveria estar costurando
minhas feridas.
Mas acontece o contrário,
meu pai reabre
meus machucados
causando uma dor
muito mais abundante
do que todo aquele sangue que vi.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sacada

Só escuto o guardinha dando seus apitos rotineiros. No mais, a cidade está silenciosa. Resolvi escrever em um lugar diferente, fora do meu quarto, azul de tanta fumaça de cigarro. Estou sentada na rede, na sacada do quarto dos meus pais. Não sei por que insisto em chamar de quarto-dos-meus-pais, já que minha mãe não mora mais aqui. Uma neblina roxa acinzentada domina todo meu campo de visão para as construções mais distantes. Vejo prédios de vários tamanhos e formas, mas meio ofuscados devido á neblina. Uma chuva fina, quase imperceptível, cai do céu. Só consigo enxergá-la devido a luz amarelada do poste aqui da frente. A chuva não faz barulho nenhum. Só ouço algumas gotas maiores caindo do telhado e das árvores. Reparando um pouco mais na árvore aqui do jardim, percebo o quanto ela cresceu. Quando me mudei ela era menor que eu. Hoje, ela é mais alta que minha casa. Meu pai tava querendo cortá-la dia desses. Eu insisti para que ele não o fizesse. Não acho que ele me deu ouvidos, simplesmente deve ter esquecido. Me lembro de alguns natais em que a árvore foi enfeitada com luzinhas coloridas. Achava tão bonito. Depois de um tempo, desistiram de enfeitar a árvore. Esse ‘desistiram’, apesar de ser em terceira pessoa, me inclui. Vejo algumas luzes acesas e me pergunto se alguém está escrevendo assim como eu. Me pergunto se eles estão observando o mundo com tanto cuidado, assim como estou. Me pergunto se eles estão vivendo, sentindo cada batida que o coração dá. Ou se estão só dormindo e esperando o amanhã que não existe. Olho a rua daqui da frente, está tão limpa. Isso costumava ser um ponto positivo para argumentar sobre minha cidade. Hoje, isso não me agrada. Trocaria as ruas perfeitas daqui pelas sujas de São Paulo. Ela tinha razão quando me disse que eu sou a cara de São Paulo. Prefiro sujeira exposta de que limpeza disfarçada. Prefiro as pichações, que revelam o inconformismo das pessoas do que muros claros e bem pintados. Prefiro bares abertos por toda madrugada e os semáforos mudando, vermelho verde amarelo vermelho da Avenida Paulista mostrando que o mundo não para. Estou morrendo de frio, sentido o vento bater no meu rosto e o nariz ficar gelado e não tenho o relógio do Itaú no meio da Paulista pra me dizer a temperatura. A fumaça do meu cigarro confunde-se com o ar quente da minha respiração. Gostaria de ficar aqui por mais meia dúzia de horas, mas já não sinto meus pés. Em São Paulo não estaria tão frio, pois teria ela pra esquentar meu corpo e minha alma.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Poema de amor

Amor,
como você me faz
viva.
Nunca me deixa afogar
nessa solidão.
Meu pão,
é sua palavra.
Contigo,
encontro
a mais bela poesia
nas ruas.
Na tua voz,
sinto o real.
Me encontro
nas batidas do teu coração.
Respiro
a fumaça que você me solta.
Me hidrato
com o álcool do teu sangue.
Tua sujeira
limpa minha alma.
As pílulas
são inúteis
perto do teu sorriso.
Filtro
a tristeza
com tua
presença.
Meu caminho
tão escuro
encontrou uma luz
que não arde os olhos.