domingo, 20 de setembro de 2009

Passa da uma hora da manhã. O céu tem uma tonalidade peculiar, uma mistura de alaranjado com cinza. Gosto de descrever as coisas, as situações, as pessoas. Talvez porque seja muito mais fácil que se expor, mostrar a alma, confessar as dores, revelar a angústia de viver. Minhas costas pesam, meu corpo pede um pouquinho de trégua. Mas minha cabeça não obedece. Ela foi sempre assim, ansiosa, com pensamentos intermináveis, loucos, imbecis. Percebo, sem querer, minhas veias expostas e na hora lembro dela: Dolores. Dolores sangra por dentro e por fora. E em cada frase carregada de sentimento que ela despeja sobre mim, eu sinto junto sua agonia. Ouvi os sinos da igreja e pensei em ir até lá pedir pra Deus e para Pedro - o anjo que cuida dela - para lhe trazer um pouco de paz, para deixá-la mais tempo comigo. "Deixá-la mais tempo comigo", que eufemismo. É estranho, eu, que nunca acreditei no tempo e que tenho essa descrença tatuada no corpo, usar essa frase. Retirando o eufemismo anterior: não queria deixar ela se matar. E fodam-se os religiosos, os moralistas e todos os que arregalam os olhos com a a idéia de suicídio. Os indivíduos mais sãos que já conheci são os que já cogitaram, pelo menos uma vez, a idéia de auto-destruição. Mas, o que mais eu poderia fazer, senão rezar, estando a mais de 600 km dela? .Eu não fui até a igreja, preferi rezar em silêncio, afinal, sempre soube: igreja é algo simbólico. Sempre pensei que não era uma pessoa de muita fé, mas hoje me dei conta que era. Não só por Dolores. E não digo fé no sentido religioso, unicamente. Tenho fé nas pessoas. Fé que elas sejam mais compreensivas, menos egoístas, mais sensíveis, menos intolerantes. Acho que é essa maldita fé me fere mais a cada dia. As pessoas não mudam, ou, em casos piores, simplesmente desistem. E eu continuo. Não sei aonde isso pode me levar - certamente não à um lugar bom - mas o futuro é distante demais para ser tratado com importância. Essa fé - ou locura, na minha mais sincera definição - é na maioria das vezes, frustrante. Me sinto impotente, irrelevante, inútil. Mas Não posso culpar as pessoas, muito menos Dolores. Aliás, jamais poderia culpá-la, sendo que sinto tudo junto com ela. Jamais poderia culpá-la porque sei que ela só está a beira do abismo porque ela é exatamente como eu, preocupada, desesperada em salvar o mundo. E ás vezes, olhando pra esse mundo que tanto queremos cuidar, vemos que ninguém nos enxerga. Olhamos e vemos que somos o mais ridículo paradoxo: cheias e vazias ao mesmo tempo. Cheias de toda amargura que as pessoas nos empurram goela abaixo e vazias de nós mesmas. Bebemos até não aguentar mais pra preencher esse espaço que existe dentro de nós. Choramos escondidas, nos entupimos de remédios. Eu surto contigo, Dolores , esqueço da coesão e escrevo em terceira pessoa na minha maneira mais pura de te mostrar que você não está sozinha nesse mundo de merda.

sábado, 19 de setembro de 2009

Foi mais um sábado de almoço forçado, frustrado e terrível. Olhei para frente e o vi falando com seu tom superior e egoísta habitual. As palavras iam saindo da sua boca sem parar e repetidas e eu me perguntava novamente o que estava fazendo ali. Senti vontade de gritar, de fugir, de nunca mais aparecer na sua frente. Senti vontade de chorar, chorar muito, por todas às vezes que me sentei naquela mesma cadeira daquele mesmo restaurante. Senti vontade de chorar de raiva de mim, por ter me tornado exatamente aquilo que eu mais odiava. Senti vontade de chorar me olhar e observar reflexos do que eu não gostava na minha mãe: sua submissão, sua covardia, seu silêncio, seu medo. Senti muitas vontades e não realizei nenhuma. Sanguei por dentro, como de costume. A dor me consumiu, me deixou puta e acabada e mesmo assim eu permaneci ali, atônita. Conviver com ele está me destruindo como nunca. Cada dia ele e
eu damos uma facada juntos em meu estômago. Eu não conseguia ver o amor que um dia já havia sentido por ele. Era só ódio, frustração, angústia. Sentia nojo das suas palavras, do seu jeito, do seu olhar. Sentia nojo de mim, sentindo nojo e ficando calada.
Minha escrita acompanha alguns traços da minha personalidade. Escrevo pouco aqui porque acho certos textos pessoais demais. Tenho um medo burro e imenso de machucar os outros com o que escrevo, assim como tenho com as minhas atitudes. Bukowski deve estar gritando de raiva comigo lá do inferno. Ele disse que há apenas um juiz final do que foi escrito, que é o escritor. Ele tem razão. Assumir isso não é fácil. Mas talvez, revelando as feridas da minha alma fique mais fácil ser um pouco diferente. Sei que esse medo é nocivo pra o que quero da vida - escrever. Assim como é terrível ter que conviver comigo todos os dias com esse altruísmo nada saudável. Queria ter talento pra escrever ficção. Aliás, melhor: queria ter talento pra simplesmente não me importar.