quarta-feira, 29 de julho de 2009

Minhas unhas exibem apenas restos de esmalte preto. Torço para que minha falta de cuidado acarreque-os completamente. Minhas cutículas estão grandes, me incomodam, às vezes até sangram. Estou sozinha no bar, novamente. Acompanhada apenas pela cerveja e pelo maço de cigarro. Talvez não exista melhor companhia. Talvez exista. Na verdade, com certeza existe. Camila seria uma companhia perfeita agora. Não só agora. Camila beberia tanto quanto eu. Camila fumaria mais que eu. Camilia ia gosta da aparência desse boteco onde estou. Fotos antigas, cadeiras pesadas, paredes sujas. Almas solitárias sentadas no balcão - ou o que restou dessas almas. A verdade, Camila sabe: gostamos do nosso estilo de vida. Álcool desenfreado, conversas inúteis, fumando cada cigarro como se fosse o último madrugada adentro. A verdade é que gostamos da verdade, do real. Graças à Camila. questiono menos o motivo do Jefferson beber tanto. Sabemos que ele é infeliz e que encontra nas cervejas de cada dia uma solução, uma cura - mesmo que efêmera - para esse aperto que ele sente o tempo todo no coração. Enquanto escrevia e olhava para o teto, uma mulher de cabelos curtos veio puxar assunto comigo.

- Você está sozinha aí? perguntou com curiosidade.

-Estou sim, respondi meio sem jeito mexendo no cabelo.

-Vai ali sentar na mesa, tomar uma cerveja com a gente!

-Já vou, respondi tentando fingir que não me importava com a pressão.

- O que você está escrevendo? Disse ela arregalando os olhos para perto do meu bloquinho.

- Desabafos, apenas, respondi sem muito esfoço.

Ela me olhou nos olhos e perguntou seriamente:- Você é artista?

Ri e falei com convicção

-Não, não sou nada.

Ela ficou um pouco sem graça, mas insistiu:

-Vai ali tomar a saideira, sério! Daqui a pouco o bar já vai fechar.

-Eu ja vou. Só quero gastar mais um pouco da caneta aqui.

Então ela voltou para sua mesa e seus amigos.

Não tenho cara de artista. Não tenho jeito de artista. Muito menos escrita de artista.Escrevo por mim. Vez ou outra - com todo o eufemismo que me permito - por Camila. Camila me inspira, me move, me envolve, me embriaga com suas palavras. Camila enconta a mais bela descrição para a fumaça disforme do cigarro e para a espuma morta da cerveja. Camila vê além. Além do que o cérebro, o corpo, os objetos e a imaginação permitem. Isso é uma das características que mais me fascina: seu olhar aguçado. Olhar ímpar, insólito, intenso, incompreendido, inesgotável. Olhar sensível, sincero, sólido, sensato, sedutor. Camila é vida em cada letra. Camila é sangue jorrando, veias abertas, osso expostos, pele lasciva. Camila é cigarro aceso, copos esvaziando, frases fluindo. Camila sim que é artista.